Em abril de 2019 foi publicada a Medida Provisória nº 881, também conhecida como “MP da Liberdade Econômica”, com objetivo de instituir medidas de desburocratização para empresas, bem como para aproximar os negócios brasileiros ao de países desenvolvidos.
A MP da Liberdade Econômica trouxe estímulo à inovação e maior facilidades aos pequenos empresários me regular seus negócios.
Mas além disso, esta Medida Provisória também trouxe alterações em leis editadas, como a alteração do art.50 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que trata da desconsideração da personalidade jurídica.
Como é de conhecimento geral, sócios e administradores de empresas podem ser responsabilizados em situações de dívidas da própria empresa, quando esta não possui bens suficientes para arcar com o dano ou débito por ela causado.
Tal fato é chamado no direito de “desconsideração da personalidade jurídica”.
Este evento é extremamente temido pelos empresários, que muitas vezes veem seu patrimônio particular ser utilizado para quitar dívidas da empresa, empresa esta que assumi o risco do empreendimento.
Apesar de nosso sistema jurídico prever tipos societários com responsabilidades limitadas, como as sociedades limitadas, as sociedades anônimas e as empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI), fato é que o judiciário não vem respeitando esta limitação, constantemente atingindo os bens dos sócios quando a empresa não quita suas dívidas.
Em casos como esses, a personalidade jurídica é desconsiderada, de modo que seus sócios e/ou administradores são diretamente responsabilizados pela reparação dos danos causados pela sociedade.
Até a promulgação da MP da Liberdade Econômica, o artigo 50 do Código Civil, que rege tal situação, assim previa: “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”.
Contudo, não deixava claro a lei em quais casos estaria configurado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, permitindo que o simples fato de a empresa não ter bens suficiente para honrar com seus compromissos financeiros servisse como motivação para a desconsideração da personalidade jurídica. Uma atrocidade na interpretação da lei sem tamanho.
A MP da Liberdade Econômica, trouxe então inovações positivas no artigo citado, especialmente identificando claramente os conceitos de desvio de finalidade da pessoa jurídica e quando ocorre confusão patrimonial, senão vejamos o novo texto do artigo:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
- 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I – Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II – Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.”
A inovação trazida pela MP agora garante que a desconsideração somente ocorra quando os sócios da pessoa jurídica foram “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”, bem como, quando a “utilização dolosa da pessoa jurídica” teve como “propósito lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza” .
Com a nova redação, a lei em vigor, para que as dívidas da empresa atinjam seus sócios, exige comprovação no processo de que tal sócio agiu com dolo no caso da criação deste passivo, ou que tenha permitido uma confusão patrimonial.
Nesse contexto, as mudanças ao artigo 50 trazidas pela MP da Liberdade Econômica são de fato positivas aos empresários, dificultando o atingimento do patrimônio particular.
Mariana Domingues
OAB/PR 38.339
Leia mais sobre o assunto acessando o artigo: Para aonde vamos? O equilíbrio entre a liberdade econômica e os limites regulatórios.